No deserto é só areia e vento. Boca seca e olhos apertados. E muita luz, igual ao inferno.
A mulher andava pela beira da rua, pensava no marido. Sentia por ele uma vontade de abrir o peito e os braços, e aquele calor por baixo da saia. O marido é, além de tudo, um homem bom. Trabalha no mercado, tem apreço por família. Não bebe nem trepa nas putas. Homem bom. Só um dia que lhe levantou a mão. Ela deixou a cara na frente, e os olhos chispando para o meio da testa dele. O movimento cessou para sempre.
Caminha pela nuvem de areia que invade a rua. No seu coração, uma semente começa a se mover no meio da terra escura.
O moço conversava com o marido na porta do mercado quando a mulher o viu pela primeira vez. Foi ao encontro da dupla dengar o marido. Percebeu que a cara do moço lhe deixou aquela semente a lhe descer pela garganta seca.
Durante a caminhada o brotar lhe faz parar no meio do vento, e na secura abre bem os olhos quando se dá conta do amor duplo. A imagem do moço invade seu corpo como faz a areia, invade seu sexo, seu peito e seu cabelo, como um abuso, sem nenhum respeito.
Com os passos vacilantes e arrastados vai ao mercado, o marido varre a calçada. Ainda tomada pelo vigor da invasão anterior, coloca os olhos em cima do marido. Ternura e amor, braços e peito abertos.
Agora a sua existência bipartida é em um só corpo: dor, amor e silêncio. Desejo e sanidade.