Eu não nasci negra. Nasci diferente dos meus priminhos mais próximos, da família mais próxima, e com o cabelo errado. E cresci meio assim também, minha pele não é preta não. Só não sou igual e tenho o cabelo errado, ruim. Mudei muito este cabelo, sofri muito porque acreditava que o cabelo deveria cair por sobre os ombros como água da cachoeira, como os cabelos das mulheres da família da minha mãe. O meu estava errado, se eu podia corrigí-lo... "Mãe, arruma meu cabelinho, mãe...". Tadinha, mami não sabia o que fazer. Alisei, trancei, alisei mais. Este cabelo carregava o que eu não queria ser, mais era.
Cresci, estudei muito, pensei muito sobre as coisas deste mundo, sobre as injustiças que ouvia meu pai contar que aconteciam com ele por causa da cor. Pensei sobre as coisas sobre minha infância que mamãe contou, coisas pelas quais ela teve que passar por ter uma filhinha diferente dela. Mas ainda não era negra. Minha pele não é preta! Por que isso acontece?
Então fui estudar de novo e me deparei com as polêmicas cotas. Mesmo sem me achar negra eu utilizei das cotas, por tudo aquilo que meus pais passaram e por aquilo que faz parte da minha história de criança. Mas aí me negaram este direito! Como assim, eu não sou negra? Fui percorrer meu pequeno mundo a procura de respostas. Muitos me condenaram por tentar fazer uso das cotas, dizendo que eu não sou negra. Então, meu pai, que é da minha cor, é negro quando procura melhorar no emprego, e eu quando criança sou negra pra fazer papel de lavadeira na escola, e sou negra para que duvidem da fidelidade matrimonial da minha mãe, mas agora para utilizar um direito eu não sou negra?!
Senti algo querendo sair de mim, me rasgando com muita revolta pelas injustiças deste mundo. Senti raiva e indignação. Olhei para tudo e para todos, recordei no meu coração a emoção de ver uma oferenda para Iemanjá, de trançar o cabelo com rastafari, de me sentir diferente e errada. Saiu de mim, eu mesma, do jeito que sou, com a pele marrom, linda, e negra!
Estou aqui para que vejam que ser negro não é ter cor da pele preta ou mais escura. Isso é só uma parte de ser descendente de toda uma história de muito sofrimento, privação, falta de lugar. E também de muita luta, muita cor, muita vitória, muita dança e muito batuque! Meu cabelo é lindo, meus cachos altos e com volume são lindos e merecem existir, com muito orgulho, enfeitando minha cabeça! Meu seio pequeno, quadril grande, pé chato, merecem estar aqui, porque lutaram para isso.
Sou negra, sou africana, sou branca, sou austríaca, sou mulher, sou brasileira, sou muita luta, muito amor, e muita paz.
Axé!
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